PESQUISA
REALIZADA NO Rio Grande do Sul mostra que quase 90% dos adolescentes voltam a
usar a droga nos três meses que se seguem a um período de tratamento,
demonstrando a ineficácia do atual modelo de tratamento para dependentes
De cada
10 adolescentes internados pelo sistema público de saúde para combater o vício
do crack no Rio Grande do Sul, em média nove voltam a usar a droga até três
meses depois de receber alta.
Além
disso, um terço necessita de uma nova internação, e outros 36% se envolvem com
a prática de crimes nesse período, conforme um estudo apresentado na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O trabalho indica que,
apesar do investimento de R$ 1,4 bilhão apenas do governo federal para reforçar
a rede de atendimento aos dependentes, o serviço não oferece a eficácia
desejada.
Em sua
tese de doutorado, a psicóloga e doutora em Ciências Médicas Rosemeri Siqueira
Pedroso acompanhou dois grupos distintos de usuários de crack. Ao longo de três
meses, observou o índice de recaída entre 88 adolescentes após a alta e
monitorou um outro contingente, de 293 jovens e adultos, para determinar
quantos precisaram de repetidas internações para combater a droga ao longo de
três anos.
No
grupo de adolescentes, 86,4% voltaram a usar crack em até três meses. Entre o
grupo de adultos, 43,4% tiveram de se reinternar até cinco vezes ao longo de
três anos.
Essas
descobertas aprofundam o conhecimento sobre o tema no país. Os poucos trabalhos
já realizados indicam que cerca de um terço dos usuários de crack consegue
concluir o tratamento com sucesso. As pesquisas sobre esse tema são raras em
razão da dificuldade de acompanhar um grande número de dependentes após a alta
– muitos não têm telefone ou endereço fixo e perdem contato com os
pesquisadores.
Por
isso, o levantamento gaúcho oferece revelações importantes sobre o impacto do
tratamento oferecido pela rede pública aos usuários.
FALTAM
AÇÕES PARA AJUDAR NA ABSTINÊNCIA
A
autora do trabalho considera que ficou “cientificamente comprovado” um número
excessivo de reinternações no sistema de saúde, o que coloca em xeque a
eficácia do modelo atual.
–
Quando o usuário sai do hospital, muitas vezes não tem onde morar, volta para a
boca de fumo, não tem trabalho ou um aparato psicossocial para ajudá-lo na
abstinência. Isso ainda é precário no Brasil – avalia Rosemeri.
O
psiquiatra Flavio Pechansky, orientador da tese, concorda com essa preocupação:
– Os
dados mostram que, apesar dos milhões de reais gastos pelo poder público nessa
área, os índices de recaída e reinternação são elevados.
Para
realizar o estudo com os adolescentes, a psicóloga acompanhou a internação
desses jovens no Hospital Psiquiátrico São Pedro e na Clínica São José, em
Porto Alegre. Depois da alta, seguiu monitorando a situação de cada um dos
pacientes por meio de visitas, telefonemas e informações de parentes.
Para
medir o grau de reinternações dos adultos, a pesquisadora monitorou todas as
vezes em que os participantes do estudo ingressaram em algum serviço de saúde
psiquiátrica no Estado. Isso levou a outra constatação: poucos dependentes
(13%) procuram os serviços ambulatoriais que deveriam desafogar as clínicas e
instituições hospitalares destinadas à internação para desintoxicação.
Em
resposta a questionamentos de ZH, o Ministério da Saúde divulgou uma nota
listando investimentos recentes e melhorias na rede de atendimento aos usuários
de drogas. O texto afirma que o governo federal aplicou R$ 1,5 bilhão na
execução do plano de enfrentamento ao crack – R$ 1,4 bilhão deles destinados à
ampliação dos serviços que atendem dependentes químicos pelo SUS.
Especialistas
sugerem mudança de métodos
Especialistas
no combate ao crack afirmam que os elevados índices de recaída e reinternação
reforçam a necessidade de aprimorar o método de tratamento. Segundo eles, o
sistema público oferece poucos leitos e períodos curtos de internação. Além
disso, não consegue acompanhar o usuário após a alta.
Um dos
problemas, para o psiquiatra Luiz Carlos Illafont Coronel, são as “altas
precoces”. Geralmente, a internação autorizada pelo SUS é inferior a um mês.
– O
ideal é que o prazo dependa apenas da condição do paciente. O que se faz hoje é
absurdo – afirma.
Coronel
diz que, conforme os levantamentos realizados no país, cerca de um terço das
mortes de usuários de crack têm como origem altas antecipadas. Outra
dificuldade é a falta de leitos psiquiátricos – que já chegaram perto de 200
mil no país e hoje são 32 mil. Segundo relatório elaborado por sete entidades
médicas, o Estado perdeu 36,7% dos leitos de psiquiatria entre 1993 e 2013.
Em
consequência, dependentes como Solon Santos da Silva Filho, 37 anos, recorrem a
sucessivas internações e lidam com uma frequente falta de vagas. Ele está em
seu quinto tratamento desde 2010: já passou por três internações em clínicas
pelo SUS e encontra-se na segunda temporada em uma comunidade terapêutica – a
Acolher, de Gravataí. Nas clínicas, conseguiu ficar no máximo um mês, o que
considera “muito pouco”. Também precisou superar obstáculos para garantir
leito:
– Na
minha segunda internação, tive de recorrer a uma ordem judicial para conseguir
vaga. Não adiantou e recaí. Agora, já estou há oito meses e 10 dias na
comunidade terapêutica – conta.
O
presidente da Associação de Psiquiatria do Estado, Carlos Salgado, defende que
é necessário investir em ações como medicina comunitária, que permitam
acompanhar o dependente fora do hospital, aumentar a oferta de leitos e
aprimorar o treinamento dos profissionais.